Tempo de mutações

14 ago 2017

“Só quem vive bem os agostos é merecedor da primavera!
Lembro-me bem.
Foi quando julho se foi, que um vento mais gelado, mais destemperado, que arrastava ainda folhas deixadas pelo outono, me disse algumas verdades. Convenceu-me de que o céu começaria a apresentar metamorfoses avermelhadas.
Que a poeira levantada por ele daria lições de que as coisas nem sempre ficam no mesmo lugar e que é preciso aceitar que a poeira só assenta depois que os redemoinhos se vão.
Foi quando julho se foi que a minha solidão me convidou para uma conversa.
E me contou de tempo de esperas.
E me disse que o barulho das árvores tinha algo a dizer sobre aceitação.
E eu fiquei pensando como elas, as árvores, aceitam as estações que, se as estremecem, também lhes florescem os galhos.
Mas tudo a seu tempo.
Foi em agosto que descobri que os cachorros loucos são, na verdade, os uivos que não lançamos ao vento.
São nossos estremecimentos particulares que a nossa rigidez de certezas não nos permite encarar.
O mês de agosto tem muito a ensinar.
Porque agosto é mês jardineiro, é dentro dele, berço do inverno, que as sementes dormem.
Aguardam seu tempo de brotar.
Agosto é guardador da boa-nova, preparador de flores.
Agosto é quando Deus deixa a natureza traduzir visivelmente o tempo das mutações.
Mude, diz agosto, em seu recado de sementes.
Aceite, diz agosto, com seu jeito frio de vento que levanta poeira e a faz avermelhar o céu.
Compartilhe, diz agosto.
Agasalhos, sopas quentinhas, cafés com chocolate, abraços mais apertados – eles também aquecem a alma e aninham o corpo.
Distribua mais afetos, que inverno é acolhimento, é tempo de preparar setembro.
E, de setembro, todos sabemos o que esperar.
Esperamos a arrebentação das cores, que com seus mais variados nomes vêm em forma de flores.
Vamos apreciar agosto, recebê-lo com o espanto feliz de quem não desafia ventos.
Que ele desarrume e espalhe suas folhas e levante suas poeiras.
Aceite as esperas, mas coloque floreiras na janela.
Só quem vive bem os agostos é merecedor da primavera!”
Autora: Miryan Lucy de Rezende – Escritora e Educadora Infantil